domingo, julho 24, 2011

No Poder Público a família não "poderia" vir em primeiro lugar


Há pelo menos uma dezena de livros e textos publicados na internet levando o título “A família em primeiro lugar”, bordão que é praticamente uma unanimidade entre a população. No geral, não haveria nenhum problema em seguir a regra ao pé da letra, se, no Brasil, aqueles que assumissem um cargo público não decidissem beneficiar parentes graças ao poder que passam a ter em mãos.
Historicamente o poder público no país é visto como uma possibilidade de enriquecimento. Cientistas políticos e historiadores argumentam que esse tipo de mentalidade se perpetua devido a fatores como a fraqueza das instituições públicas e a impunidade.
Nos últimos tempos, têm se tornado cada vez mais comuns denúncias de parentes de políticos que enriqueceram abruptamente a partir do momento que o familiar entrou na vida pública (leia quadro). Da mesma forma, passou a ser quase praxe cargos públicos serem ocupados por parentes de governantes, mesmo com a aprovação da Súmula 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), que, desde agosto de 2008, proíbe a contratação para cargos de confiança de parentes de até 3.º grau por agentes públicos – somente a nomeação em cargos de secretário e ministro ficou de fora da proibição.
Instituições fracas
O historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (SP), é taxativo ao afirmar que o Brasil não é um país politicamente sério. Segundo ele, o princípio básico de que, no serviço público, não deve haver qualquer forma de relação comercial que envolva parentes é ignorado sem nenhum constrangimento. “No Brasil, o poder é visto como um momento ou possibilidade de enriquecimento. Isso não ocorre em um país sério”, critica, ressaltando que esse é um problema que atinge os três poderes. “Infelizmente, estamos mais para República das Bananas do que para termos instituições democráticas de fato consolidadas.”
O professor de Ciência Política Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), segue a mesma linha de pensamento e argumenta que a estrutura política brasileira permite a formação de redes de cumplicidade e troca de favores entre os poderes. Na visão dele, a falta de fiscalização é um dos principais causadores desses problemas. “Muitas vezes, quem deveria fiscalizar é quem mais se beneficia das irregularidades. Nos Tribunais de Contas, por exemplo, os conselheiros devem favores políticos ao Executivo e ao Legislativo, são quem os elegeram”, critica. “Essa fragilidade institucional tende a se perpetuar por meio do nepotismo, que gera poder, influência e dinheiro. Quem tem isso nas mãos se reelege e se reproduz.”
A impunidade também é destacada por eles como um dos vilões na luta contra o nepotismo – legal e ilegal. Para Villa, as leis brasileiras são boas na teoria, mas não funcionam na prática. “A impunidade é o maior mal da democracia brasileira. O máximo que os escândalos geram é um pedido de demissão, eventualmente a anulação de um contrato, mas não mais que isso”, ressalta.
Soluções
O historiador afirma ainda que a oposição tem um papel importante para evitar que o poder familiar continue prevalecendo na política nacional. “Quem estiver na oposição precisa associar atos de corrupção à falta de determinado serviço público. Quando um buraco na pista provocar quatro mortes num acidente, por exemplo, é preciso mostrar que isso está na conta do ministro dos Transportes e da presidente, que o nomeou”, defende.
“Todos esses problemas não são para desestimular, mas para estimular o aprimoramento da democracia e o aperfeiçoamento das instituições”, afirma Oliveira. “Precisamos tirar do papel princípios constitucionais da impessoalidade, transparência, probidade. Precisamos de um país real e não de um país legal, que só existe no papel e na cabeça dos juristas.”
Laços familiares
Abaixo veja alguns exemplos:
Veja casos recentes de pessoas que entraram no serviço público por serem parentes de políticos ou que se beneficiaram por estarem próximas do poder:

Fábio Luís Lula da Silva
Filho do ex-presidente Lula
Até novembro de 2003, ano em que Lula assumiu a Presidência, o “Lulinha”, como é chamado, era monitor de zoológico e recebia salário de R$ 600. Durante o governo do pai, tornou-se sócio da produtora de jogos eletrônicos Gamecorp, que, com capital de apenas R$ 100 mil na época, recebeu investimentos de R$ 15 milhões da Telemar, a maior empresa de telefonia do país.

Gustavo Morais Pereira
Filho do ex- ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento
Arquiteto de 27 anos, Gustavo viu uma de suas empresas, a Forma Construções, saltar de um capital de R$ 60 mil para mais de R$ 50 milhões – um aumento de 86.500% – após fechar negócios com a SC Carvalho Transportes e Construções, beneficiária de verbas do Ministério dos Transportes. A esposa de um dos sócios da companhia foi nomeada chefe do Dnit no Amazonas e em Roraima.

Cláudia Queiroz Guedes
Mulher do presidente da Câmara de Curitiba, João Cláudio Derosso
Dona da agência Oficina da Notícia, Cláudia venceu o processo licitatório aberto pela Câmara em fevereiro de 2006 com a finalidade de contratar duas agências de publicidade por um ano. Cláudia era funcionária comissionada do Legislativo municipal quando participou e venceu a licitação, o que é vedado pela Lei de Licitações. O parlamentar nega qualquer irregularidade.
Famílias Requião e Richa
Herança
Parentes do ex e do atual governador
Nepotismo vem da colonização
Roberto Requião (PMDB) colocou vários parentes no governo: a mulher Maristela, os irmãos Eduardo e Maurício, além do sobrinho João Arruda. Beto Richa (PSDB) foi pelo mesmo caminho. Nomeou como secretários a mulher, Fernanda, e o irmão José Richa Filho. Além disso, seu filho Marcelo e Maria Christina Andrade Vieira, tia de Fernanda, foram nomeados em cargos na prefeitura de Curitiba, hoje comandada pelo vice de Beto na época de prefeito, Luciano Ducci (PSB).
“Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la.” Para o jornalista e escritor Eduardo Bueno, esse velho chavão explica em boa parte porque o nepotismo persiste no Brasil há séculos. Bueno explica que o nepotismo marca o Brasil desde os primeiros anos da colonização, quando os portugueses decidiram dividir o país em capitanias hereditárias. “Obviamente, os donatários não escolhiam inimigos para ocupar os cargos de poder dentro da capitania. Desde então, prevalecem o compadrio, o clientelismo e o nepotismo trazidos de Portugal.”
Ele argumenta que não basta os brasileiros perceberem irregularidades desse tipo no dia a dia por meio dos jornais. É preciso ter a consciência de que, se isso ocorre há 500 anos, já está na hora de corrigir o problema

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